quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Publicidade infantil

O ENEM mais uma vez surpreendendo. No ano de Copa do Mundo, de eleições, de aniversário do Movimento Diretas Já, do Golpe Militar e do Plano Real; e de crise de água em nosso país, o tema da redação de 2014 foi Publicidade infantil em questão no Brasil. Sem dúvidas é um assunto importante, que demanda discussões acerca dos efeitos negativos da publicidade abusiva sobre o público infanto-juvenil. Porém, discordo, data venia, da sua escolha. 

O país enfrenta crises alarmantes em diversos setores, dentre eles o político, com a crise de representatividade, escândalos de corrupção, reforma política; o econômico, com a estagflação; e o de abastecimento de água em diversas regiões - citando apenas os que demandam soluções pra ontem. Não é que o tema publicidade infantil seja irrelevante - longe disso. O problema é que, infelizmente, existem temas cruciais, nesse momento, para a sobrevivência institucional, econômica e ambiental do Brasil, merecedores da reunião de todos os esforços possíveis para sua imediata solução. Desde que o vestibular passou a ser unificado, o Ministério da Educação deveria ter usado o ENEM a seu favor, ou melhor, a favor do Brasil. Imaginem se cada pré-universitário desse país estudasse com afinco sobre a reforma política, sobre a questão da água ou das energias renováveis, sobre formas de aliar a inflação ao crescimento econômico sustentável. Imaginem a quantidade de possíveis alternativas que poderiam sair das cabeças desses jovens para assuntos de tamanha importância.

Mas não. O MEC - não sei se por esquecimento ou se por orgulho mesmo - restou silente quanto a tais assuntos. Enfim... vamos nos ater aos aspectos jurídicos da prova. 

No âmbito do Direito do Consumidor, existem fases que antecedem ao início do contrato de consumo, as etapas pré-contratuais, dentre as quais podemos destacar a publicidade e a propaganda. A diferença jurídica reside no fato de que a publicidade possui um apelo fortemente comercial, com o intuito de induzir o consumidor a comprar o produto anunciado, enquanto que a propaganda investe na conotação ideológica, no sentido de transmitir teorias, ideias ou formas de pensar. Um anúncio da promoção do McDonald's é publicidade. Noutro giro, um anúncio que desestimula o uso de bebidas alcoólicas antes de dirigir é uma propaganda, assim como as propagandas eleitorais ou partidárias.

O Código de Defesa do Consumidor (CDC) - importante instrumento de defesa do consumidor, parte vulnerável na relação consumerista - proíbe expressamente, em seu artigo 37, a prática de publicidade enganosa ou abusiva, definidas, respectivamente, nos §§ 1º e 2º do referido artigo. Considera-se enganosa a publicidade capaz de induzir, ainda que por omissão, o consumidor em erro a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços (art. 37, §1º, CDC). Já a publicidade abusiva é caracterizada por conter, por exemplo, ideias discriminatórias de qualquer natureza, ideias que incitem o consumidor a se comportar de maneira perigosa ou prejudicial a sua saúde ou segurança e/ou que se aproveitem da deficiência de julgamento e experiência da criança (art. 37, §2º, CDC). Para clarear: uma publicidade que distorce o tamanho real de uma piscina inflável é enganosa; por outro lado, um anúncio de cerveja que diz É pelo corpo que se conhece a verdadeira negra é publicidade abusiva, por destacar um sentido de discriminação racial.

Outro destaque, do ponto de vista jurídico, foi a menção ao CONANDA e ao CONAR. O Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) está previsto no art. 88, inciso II, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Trata-se de órgão responsável pela política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente em âmbito nacional, podendo, para tanto, editar resoluções, dentre as quais destaca-se a Resolução nº 163, de 13 de março de 2014 - citada na proposta de redação - que considera abusiva toda propaganda dirigida às crianças que faça uso de desenhos infantis, bonecos e oferta de prêmios, na tentativa de persuadi-las. O Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR) visa evitar a veiculação de anúncios e campanhas de conteúdo enganoso, ofensivo, abusivo ou que desrespeitem a leal concorrência entre anunciantes, atribuindo multa aos descumpridores do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária.

Agora, qual a relação disso com o Direito Constitucional? Em primeiro lugar, a defesa do consumidor foi elevada à categoria de direito fundamental (art. 5º, XXXII, CF/88), bem como a princípio da ordem econômica (art. 170, V, CF/88). Ademais, o tema do ENEM envolveu a proteção à criança e ao adolescente, disciplinada pela Constituição de 1988 em seu artigo 227, que sedimentou a doutrina da proteção integral da criança e do adolescente em nosso ordenamento jurídico, dando especial atenção à condição peculiar de pessoas em desenvolvimento que possuem. 

Para fechar, existem discussões acerca da constitucionalidade da Resolução nº 163/2014 do CONANDA. Isso porque, por se tratar de norma que restringe o direito à liberdade de expressão, tal matéria deveria ser regulamentada em lei elaborada pelo Congresso Nacional (pela interpretação conjunta dos artigos 5º, II; 22, XXIX e 220, §3º, inciso II, todos da Constituição Cidadã). Ciente disso, o Congresso Nacional, no uso de suas atribuições previstas no art. 49, V, CF/88, pretende sustar a referida resolução, por meio de decreto legislativo - já que se trata de competência do art. 49; caso prevista no art. 48, a espécie normativa adequada seria lei -  por entender que ela exorbita o poder regulamentar, Eis aqui o clássico - porém controvertido - exemplo fornecido pela doutrina de controle de constitucionalidade posterior exercido pelo Poder Legislativo.

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