quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Só mais 15 minutinhos

O Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, reconheceu que o artigo 384 da CLT foi recepcionado pela Constituição de 1988. O referido artigo prevê um intervalo mínimo de 15 minutos para a mulher, exclusivamente, antes de se iniciar o período extraordinário de trabalho. O STF firmou tal entendimento ao negar provimento, ontem, ao RE 658.312, com repercussão geral reconhecida.

O art. 384 está inserido no Capítulo III da CLT, que trata da proteção do trabalho da mulher, fazendo com que o tempo de descanso de, no mínimo, 15 minutos seja assegurado - por enquanto, se depender da Ministra Rosa Weber - apenas às trabalhadoras. O Ministro Dias Toffoli, relator do RE em questão, baseou seu voto na célebre lição de Rui Barbosa, retirada da Oração dos Moços, segundo a qual igualdade consiste em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Assim, é concebível perante o Direito estabelecer diferenciações entre os gêneros como uma forma de tentar equilibrar uma desigualdade natural, como é o caso da mulher, que muitas vezes faz jornada dupla - em casa e no trabalho - e possui uma resistência física menor em relação a do homem.

O Ministro Marco Aurélio, vulgo Voto Vencido, mais uma vez fez jus a seu apelido. Para o Ministro, a previsão do art. 384 da CLT fere o princípio da isonomia, previsto no caput do art. 5º da Carta Magna, sendo gerador de discriminação. Por essa razão, votou pela não recepção do dispositivo laboral em discussão.

Por fim, cabe ressaltar que o juízo a ser realizado é o de recepção ou não recepção da norma, tendo em vista se tratar de objeto, qual seja artigo da CLT, editado antes da promulgação da Constituição de 1988, mais precisamente em 1943, não havendo falar em inconstitucionalidade nessa hipótese.

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Causo "Constitucioná"


A escuridão da ditadura passô
Os militá saíram do podê
Quem achou que nunca ia acabá
Ficou com os zóio tudo moiado ao percebê
O Doutô Ulysses, no 5 de ôtubro de 88,
Levantá a Constituição pra todo mundo vê.

Democrática que só ela
A “Cidadã” finalmente nasceu
Trazendo direito pro pobre, pro negro
Pra muié e até pra quem nunca leu
Os índio tudim se animaram
Com as terra que a Constituição lhes deu.

Os direito fundamentá agora tão na frente
Esporte, cultura e meio ambiente lá “trais”
Os Município ficaram autônomo
Os legitimados pra ADI aumentaram mais
Tem PGR, Presidente, Governadô
Entidades de classe e confederações sindicais.

O STF, o Congresso e o Palácio da Presidenta
Tudo lá na Praça dos Três Podê, quente pra daná
Dizendo que tão trabaiando
Pra mode o país ajeitá
“Mais” por enquanto ninguém sabe
Se o Brasil chega a algum lugá.

Só o que não falta é reforma pra fazê
Tadinha da Constituição, toda remendada
Pra vê se pelo menos ajeita
Um pouquinho da Pátria Amada
A reforma política com certeza
Tá na hora de ser criada.

Tanta rôbalheira que dá disgosto
É Petrobras, mensalinho e mensalão
As empreitêra e os político tudo rico
E o pobre sem dinheiro pra comprar pão
Cadê a sociedade livre, justa e solidária
Que prometeu nossa Constituição?

sábado, 15 de novembro de 2014

Constitucional na OAB




Acontecerá, amanhã, a 1ª fase do XV Exame de Ordem. Nesse momento, os nervos estão a mil. Não sei de nada é o que pensa a maioria dos candidatos. Por isso - para tranquilizá-los um pouco - pensei em comentar o assunto campeão de incidência na prova de Direito Constitucional da OAB: controle de constitucionalidade, resolvendo uma questão do XII Exame de Ordem. Ao final, estarão algumas dicas extras para sua aprovação. 

Questão 18 (XII Exame de Ordem - Tipo I)

Acerca do controle de constitucionalidade, assinale a alternativa INCORRETA.

A) É impossível o esclarecimento de matéria de fato em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade.
B) A União Nacional dos Estudantes não tem legitimidade para propor Ação Direta de Inconstitucionalidade.
C) Não se admite a desistência após a propositura da Ação Declaratória de Constitucionalidade.
D) Os efeitos da decisão que afirma a inconstitucionalidade da norma em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade, em regra, são ex tunc.

1ª dica: Leia com atenção as perguntas. Assim, você evita perder questões valiosas só por não ter atentado ao que era exigido pelo examinador. Nessa questão, ele pede a alternativa incorreta. Analisemos os itens de baixo para cima.

D - Correta. A maioria da doutrina brasileira e o STF adotam a teoria da nulidade, à semelhança do sistema norte-americano. De acordo com essa teoria, a norma declarada inconstitucional é considerada inválida desde seu nascimento, sendo denominada de natimorta. Assim, o STF, ao declarar uma norma inconstitucional, em sede de ADI, profere uma decisão com efeitos retroativos (ex Tunc), alcançando a lei ou ato normativo desde seu nascedouro. Por que a questão fala em regra? Porque em nosso ordenamento - art. 27 da Lei nº 9.868/99 - há uma mitigação da teoria da nulidade - modulação dos efeitos temporais - quando, então, a decisão do STF poderá ter efeito ex Nunc (a partir do trânsito em julgado da decisão) ou pro futuro (outro momento que venha a ser fixado, p. ex, 24 meses após o trânsito em julgado), desde que 2/3 dos Ministros do Pretório Excelso reconheçam a existência de razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social para tanto.

C - Correta. Fala-se, no âmbito do Direito Constitucional, que o processo deflagrado pelas ações do controle de constitucionalidade abstrato é objetivo, tendo em vista que sua principal função é a proteção da supremacia constitucional, e não de direitos subjetivos. Quais as implicações disso? I) Um legitimado do art. 103 da CF/88 - de leitura obrigatória - que tenha criado um projeto de lei pode, ele mesmo, ajuizar uma ADI ou ADC, p. ex, tendo como objeto a mesma lei. II) O requisito da representação no Congresso Nacional - basta ter 1 parlamentar no Senado ou na Câmara - exigido para os partidos políticos (art. 103, VIII, CF), deve ser auferido no momento da propositura da ação (ADI 2.054 QO), razão pela qual a perda superveniente da representação no CN não constitui óbice para o prosseguimento da ação, segundo jurisprudência do STF. III) Não se admite desistência em nenhuma das ações do controle abstrato, haja vista que o autor não está defendendo interesse próprio, e sim a higidez da ordem constitucional, não lhe sendo facultado abandonar o processo objetivo.

B - Correta. Esse item trata dos legitimados para propositura desse tipo de ações. Os legitimados  são os mesmos para ADI, ADC, ADO e ADPF, estando previstos, taxativamente, no art. 103 da CF/88. O STF os divide em universais (incisos I, II, III, VI, VII, VIII) e especiais (incisos IV, V, IX), devendo estes demonstrar pertinência temática. As confederações sindicais - que deverão ter no mínimo 3 federações (art. 535, CLT) - são legitimadas especiais, mas as federações, os sindicatos e as centrais sindicais (CUT, CGT) NÃO têm legitimidade. Quanto às entidades de classe, a jurisprudência do STF é pacífica no sentido de que devem ser de âmbito nacional (presente em pelo menos 9 estados) e representar categorias profissionais homogêneas (entidades que atuam em defesa de uma só categoria profissional ou econômica). Nesse sentido, o STF entendeu que a ABRASEL NÃO teria legitimidade ativa por representar diversas categorias heterogêneas - restaurantes, entretenimento, lazer e bares (ADI 4.239/SP). Por ser a UNE categoria representativa de estudantes, e não categoria profissional, não é legitimada ativa (ADI-MC 894/DF).

A - INCORRETA. Diferente do recurso extraordinário, a ADI admite a discussão de matéria de fato. Tal hipótese está presente, principalmente, nos casos de inconstitucionalidade formal, haja vista que deverão ser examinados os fatos referentes ao trâmite legislativo constitucional para se descobrir onde reside a pecha da inconstitucionalidade.


GABARITO: A


2ª dica: Para a prova de Constitucional, imprescindível a leitura dos 78 incisos do artigo 5º da Constituição, bem como das Leis nº 9.868/99 e 9.882/99, referentes ao controle de constitucionalidade. Também vêm caindo com frequência as legislações de algumas ações constitucionais, tais como Lei nº 9.507/97 (habeas data), Lei nº 4.717/65 (ação popular), Lei 12.016/09 (mandado de segurança) e Lei nº 7.347/85 (ação civil pública).

3ª dica: Não esqueçam que vocês não têm 5 horas para fazer a prova. Na verdade, são apenas 4h e 30 min. Reserve os 30 minutos finais para marcar o gabarito com calma.

BOA PROVA!

obs: Prometo que os próximos posts serão mais curtos.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Publicidade infantil

O ENEM mais uma vez surpreendendo. No ano de Copa do Mundo, de eleições, de aniversário do Movimento Diretas Já, do Golpe Militar e do Plano Real; e de crise de água em nosso país, o tema da redação de 2014 foi Publicidade infantil em questão no Brasil. Sem dúvidas é um assunto importante, que demanda discussões acerca dos efeitos negativos da publicidade abusiva sobre o público infanto-juvenil. Porém, discordo, data venia, da sua escolha. 

O país enfrenta crises alarmantes em diversos setores, dentre eles o político, com a crise de representatividade, escândalos de corrupção, reforma política; o econômico, com a estagflação; e o de abastecimento de água em diversas regiões - citando apenas os que demandam soluções pra ontem. Não é que o tema publicidade infantil seja irrelevante - longe disso. O problema é que, infelizmente, existem temas cruciais, nesse momento, para a sobrevivência institucional, econômica e ambiental do Brasil, merecedores da reunião de todos os esforços possíveis para sua imediata solução. Desde que o vestibular passou a ser unificado, o Ministério da Educação deveria ter usado o ENEM a seu favor, ou melhor, a favor do Brasil. Imaginem se cada pré-universitário desse país estudasse com afinco sobre a reforma política, sobre a questão da água ou das energias renováveis, sobre formas de aliar a inflação ao crescimento econômico sustentável. Imaginem a quantidade de possíveis alternativas que poderiam sair das cabeças desses jovens para assuntos de tamanha importância.

Mas não. O MEC - não sei se por esquecimento ou se por orgulho mesmo - restou silente quanto a tais assuntos. Enfim... vamos nos ater aos aspectos jurídicos da prova. 

No âmbito do Direito do Consumidor, existem fases que antecedem ao início do contrato de consumo, as etapas pré-contratuais, dentre as quais podemos destacar a publicidade e a propaganda. A diferença jurídica reside no fato de que a publicidade possui um apelo fortemente comercial, com o intuito de induzir o consumidor a comprar o produto anunciado, enquanto que a propaganda investe na conotação ideológica, no sentido de transmitir teorias, ideias ou formas de pensar. Um anúncio da promoção do McDonald's é publicidade. Noutro giro, um anúncio que desestimula o uso de bebidas alcoólicas antes de dirigir é uma propaganda, assim como as propagandas eleitorais ou partidárias.

O Código de Defesa do Consumidor (CDC) - importante instrumento de defesa do consumidor, parte vulnerável na relação consumerista - proíbe expressamente, em seu artigo 37, a prática de publicidade enganosa ou abusiva, definidas, respectivamente, nos §§ 1º e 2º do referido artigo. Considera-se enganosa a publicidade capaz de induzir, ainda que por omissão, o consumidor em erro a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços (art. 37, §1º, CDC). Já a publicidade abusiva é caracterizada por conter, por exemplo, ideias discriminatórias de qualquer natureza, ideias que incitem o consumidor a se comportar de maneira perigosa ou prejudicial a sua saúde ou segurança e/ou que se aproveitem da deficiência de julgamento e experiência da criança (art. 37, §2º, CDC). Para clarear: uma publicidade que distorce o tamanho real de uma piscina inflável é enganosa; por outro lado, um anúncio de cerveja que diz É pelo corpo que se conhece a verdadeira negra é publicidade abusiva, por destacar um sentido de discriminação racial.

Outro destaque, do ponto de vista jurídico, foi a menção ao CONANDA e ao CONAR. O Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) está previsto no art. 88, inciso II, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Trata-se de órgão responsável pela política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente em âmbito nacional, podendo, para tanto, editar resoluções, dentre as quais destaca-se a Resolução nº 163, de 13 de março de 2014 - citada na proposta de redação - que considera abusiva toda propaganda dirigida às crianças que faça uso de desenhos infantis, bonecos e oferta de prêmios, na tentativa de persuadi-las. O Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR) visa evitar a veiculação de anúncios e campanhas de conteúdo enganoso, ofensivo, abusivo ou que desrespeitem a leal concorrência entre anunciantes, atribuindo multa aos descumpridores do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária.

Agora, qual a relação disso com o Direito Constitucional? Em primeiro lugar, a defesa do consumidor foi elevada à categoria de direito fundamental (art. 5º, XXXII, CF/88), bem como a princípio da ordem econômica (art. 170, V, CF/88). Ademais, o tema do ENEM envolveu a proteção à criança e ao adolescente, disciplinada pela Constituição de 1988 em seu artigo 227, que sedimentou a doutrina da proteção integral da criança e do adolescente em nosso ordenamento jurídico, dando especial atenção à condição peculiar de pessoas em desenvolvimento que possuem. 

Para fechar, existem discussões acerca da constitucionalidade da Resolução nº 163/2014 do CONANDA. Isso porque, por se tratar de norma que restringe o direito à liberdade de expressão, tal matéria deveria ser regulamentada em lei elaborada pelo Congresso Nacional (pela interpretação conjunta dos artigos 5º, II; 22, XXIX e 220, §3º, inciso II, todos da Constituição Cidadã). Ciente disso, o Congresso Nacional, no uso de suas atribuições previstas no art. 49, V, CF/88, pretende sustar a referida resolução, por meio de decreto legislativo - já que se trata de competência do art. 49; caso prevista no art. 48, a espécie normativa adequada seria lei -  por entender que ela exorbita o poder regulamentar, Eis aqui o clássico - porém controvertido - exemplo fornecido pela doutrina de controle de constitucionalidade posterior exercido pelo Poder Legislativo.

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Constituinte exclusiva para reforma política?

Ecoam nesta sala as reivindicações das ruas. A Nação quer mudar, a Nação deve mudar, a Nação vai mudar. Essas são palavras do discurso proferido por Ulysses Guimarães, quando de sua posse, em dois de fevereiro de 1987, como Presidente da Assembleia Nacional Constituinte (1987/88). Transportando para o ano de 2014, fica a lição: se a Nação vai mudar, com a tão sonhada reforma política, que o faça de forma correta.

Voltaram à tona manifestações populares, organizadas principalmente por movimentos sociais, que exigem a realização de plebiscito, para que a população decida sobre a convocação - ou não - de uma Assembleia Constituinte "exclusiva" para a elaboração da reforma política (http://migre.me/mMp1O), um dos cinco pactos prometidos pela Presidente Dilma Rousseff depois das manifestações de junho de 2013, que envolve temas controversos, como financiamento privado de campanha, sistema eleitoral (voto proporcional ou distrital), reeleição para cargos do Executivo e cláusula de barreira. 

Duas palavras definem tal ideia: aberração jurídica. Explico os por quês. 

Antes, contudo, cumpre fazer breves comentários, para um maior esclarecimento. Inicialmente, a distinção entre plebiscito e referendo, previstos, respectivamente, nos incisos I e II do artigo 14 da Carta Magna e regulamentados na Lei nº 9.709/98. A principal diferença reside no momento em que é feita a consulta. No plebiscito, antes da elaboração do ato legislativo ou administrativo, há a consulta ao povo sobre o tema em questão, cabendo-lhe aprovar ou denegar as propostas. Entende-se que a decisão positiva da população vincula os Governantes, não podendo estes decidirem em sentido contrário, em respeito ao princípio da soberania popular. Já o referendo acontece depois da aprovação do ato legislativo ou administrativo pelo órgão competente, restando ao povo a função de ratificar ou rejeitar o que lhe foi apresentado. Em resumo: no referendo, o povo endossa um cheque do Parlamento. No plebiscito, o povo dá ao Parlamento um cheque em branco, nas lições do Ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal, Carlos Ayres Britto.

Segundo, quem convoca plebiscito ou autoriza referendo é o Congresso Nacional, dada sua atribuição constitucional prevista no artigo 49, XV, da CB/88; e não o Presidente da República, cujas atribuições estão disciplinadas no artigo 84, como alguns podem vir a pensar.

Em terceiro lugar, existe uma diferença entre Constituinte Exclusiva e Constituinte Monotemática, ao meu ver. A primeira faz referência à criação de uma Assembleia Nacional Constituinte com a função exclusiva de discutir e elaborar uma nova Constituição, composta por representantes eleitos, exclusivamente, para esse fim. Diferente, portanto, do que ocorreu com a Constituição de 1988, elaborada pelo Congresso Nacional, que conciliou - confusamente - suas atribuições ordinárias com a atribuição extraordinária de criar a Constituição Cidadã. É dizer, citando Raymundo Faoro (ex-Presidente do Conselho Federal da OAB), há Constituinte - exclusiva - ou Congresso com poderes constituintes [1]. Agora, a Constituinte Monotemática, como o próprio nome já diz, é alusiva à criação de uma Assembleia Constituinte para debater apenas um ÚNICO tema, o que é totalmente inconcebível perante o Direito Constitucional.

Entramos, pois, no ponto nevrálgico do post.

Em verdade, é louvável que a sociedade brasileira esteja sendo tomada pelo sentimento constitucional, demonstrando uma mínima preocupação cívico-política com a Lei Fundamental [2]. No entanto, cabe aos operadores do Direito demonstrar o correto caminho das pedras. A Assembleia Nacional Constituinte é manifestação do poder constituinte originário, expressão criada há muito para designar o poder de criar uma Constituição e de fundar ou refundar o Estado e a ordem jurídica [3], cujo titular é o povo. A convocação desse órgão constituinte se dá em momentos - chamados de hiato constitucional -  de verdadeira ruptura entre o conteúdo da Constituição política e a realidade social ou sociedade [4], o que não é o caso - ainda - da sociedade brasileira.

Muito embora o atual sistema político não represente, efetivamente, os anseios da população, por se tratar de apenas uma parcial incongruência político-social do texto constitucional - não em sua totalidade, como ocorreu no fim do regime de exceção - não há se falar em momento constitucional ou recomeço (new beginning) [5], apto a ensejar a convocação de uma Constituinte, cuja atribuição primordial é a elaboração de uma nova Constituição, e não a reforma de parte dela, como se quer. Para isso, existe o poder constituinte reformador, externado por Emendas à Constituição.

Qual seria a implicação prática disso? A Constituinte possui poderes autônomos, incondicionados e ilimitados, do ponto de vista jurídico, podendo dispor sobre qualquer assunto constitucional, sem encontrar obstáculos jurídicos pela frente. Em contrapartida, as emendas constitucionais devem respeito às limitações explícitas (art. 60, CF/88) e implícitas decorrentes da obra do Constituinte de 88, representando a forma mais autêntica de implantar a reforma política. A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa, ao admitir a reforma, reconheceu Ulysses Guimarães, em seu célebre discurso de 5 de outubro de 1988.

Agora, se existem entraves políticos no Congresso Nacional que obstacularizariam a aprovação da Emenda Constitucional, aí são outros quinhentos...



[1] Cf. Direito Constitucional: teoria, história e métodos de trabalho, de Cláudio Pereira de Souza Neto e Daniel Sarmento. Editora Fórum, 2ª edição, 2014, p. 157;

[2] Cf. O sentimento constitucional: aproximação ao estudo do sentir constitucional com o de integração política, de Pablo Lucas Verdú, Forense, 2004;

[3] Direito Constitucional: teoria, história e métodos de trabalho, de Cláudio Pereira de Souza Neto e Daniel Sarmento. Editora Fórum, 2ª edição, 2014, p. 243;

[4] Nesse sentido, Pedro Lenza, Direito constitucional esquematizado, 18ª edição, 2014, p. 212;

[5] Expressão criada por Bruce Ackerman, We the people, 1991, v.1.

sábado, 8 de novembro de 2014

As eleições

Para início de conversa, devo ressaltar que o intuito do blog é a exposição de temas do Direito Constitucional brasileiro que sejam relevantes para os operadores do Direito e também para a sociedade. Não se procura aqui defender determinado ponto de vista social, econômico, político ou jurídico. Por isso, os posts deverão ser isentos - ou pelo menos a interpretação dos leitores deva ser nesse sentido - de opiniões partidárias, politiqueiras ou tendenciosas. O que, ocasionalmente, pode vir a falhar, dado que o homem é um animal político, já dizia Aristóteles, sendo imbuído de suas concepções de mundo e idiossincrasias. 

Pois bem. O primeiro post de O Constituinte será sobre as últimas eleições presidenciais, encerradas em 26 de outubro de 2014. 

Para muitos, eleição é sinônimo de festa, de propagandas eleitorais desinteressantes ou de desavenças com aqueles que possuem opinião contrária. Na verdade, o fenômeno das eleições representa sinônimo de democracia. Nós vivemos num Estado Democrático, como explicita o preâmbulo da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 - aquela introdução ao Texto Constitucional, despida de relevância jurídica, segundo o Supremo Tribunal Federal (ADI 2.076-AC), que serve para nortear os intérpretes da Constituição.

Democracia essa considerada semidireta ou participativa, uma vez que mescla a participação direta do povo na condução da República, por meio de plebiscito - tema do próximo post -, de referendo, da iniciativa popular de leis e da propositura de ação popular, com sua participação indireta, por meio da eleição de seus representantes. É o que determina o artigo 1º, parágrafo único, e o artigo 14, caput, ambos da Constituição de 1988. 

No Brasil, temos eleições diretas apenas para os Poderes Legislativo e Executivo dos Municípios, dos Estados, do Distrito Federal e da União, membros autônomos de nosso Estado Federativo (artigo 18, cabeça, CF/88), não havendo eleições para os membros do Judiciário, diferente do que ocorre em alguns Estados da Federação norte-americana, como o de Dakota do Norte, e na Suíça, que têm eleições populares para a escolha de juízes de 1º grau. 

As eleições diretas para Presidente da República - que, no sistema de governo presidencialista, é o chefe de Estado e, ao mesmo tempo, o chefe de Governo - estão disciplinadas diretamente no artigo 77 da Carta Constitucional. Digo diretamente, pois existem, ao longo da Constituição brasileira, outros dispositivos que fazem referência, ainda que indiretamente, às eleições presidenciais, tais como o importantíssimo - para a matéria - artigo 14, que traz hipóteses de inelegibilidade, e o artigo 52, parágrafo único, que revela as consequências jurídicas de um processo de impeachment.

Feitas essas breves considerações jurídicas, peço licença - dado que não é o intuito principal do blog - para disponibilizar um texto literário sobre o tema, que escrevi no dia seguinte ao resultado das eleições de outubro de 2014, publicado no jornal Diário do Nordeste, edição de 1º de novembro de 2014 (http://migre.me/mNMBa). É denominado Os dois Brasis.
Os dois Brasis
Nessas eleições presidenciais conheci dois Brasis. O Brasil do Povo e o Brasil dos Políticos. No Brasil do Povo, vi uma democracia "recém-criada" imperar. Vi pessoas interessadas com a condução proba e ética de nossa República. Vi pessoas merecendo o respeito por suas opiniões, palavras e votos; e não execração por votar em candidato A ou B, por usar camisa azul ou vermelha ou por decidir se banhar nas ondas azuis ou vermelhas do mar das eleições.
Vi o Brasil democrático, das Diretas Já, o Brasil de junho de 2013, o país continental, "gigante pela própria natureza", habitado por brasileiros, seja nordestino, sulista, "sudetistas", petista, peessedebetistas, dilmista ou aecista, mas, quero frisar, brasileiros. Foi por esse Brasil que Gonçalves Dias se encantou e que descreveu na Canção do Exílio. 
Agora, vi que o Brasil dos Políticos é inóspito. Vi o Brasil da discórdia, da intolerância, da completa cegueira eleitoral, com propagandas e debates agressivos. Nesse Brasil, a Constituição recebe outro nome: Desconstituição - da democracia. Propostas, ações, planos de governo? Não conseguiram visto para entrar nesse País. Nesse temeroso Brasil, existe o Nordeste, pobre, "burro", vermelho - da seca e do PT; e o Sul, elitista, "inteligente", azul da cor do mar, ou melhor, das ondas do mar PSDB.
Qual o melhor dos dois? Eu, que sou nordestino, cabra da peste, diria o Nordeste? Não, porque no meu Brasil, na República Federativa do Brasil do Povo, não existe melhor ou pior, existe brasileiro, com muito orgulho, com muito amor. 
De um brasileiro do Brasil do Povo.