segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Prudência e Presunção de Inocência

Em tempo.

O Plenário do Supremo Tribunal Federal negou provimento ao Recurso Extraordinário nº 591.054/SC, no dia 17 de dezembro de 2014, adotando a seguinte tese: a existência de inquéritos policiais ou de ações penais sem trânsito em julgado NÃO pode ser considerada como maus antecedentes para fins de dosimetria da pena. Incrivelmente, o Min. Voto Vencido, Marco Aurélio Mello, relator do recurso, conseguiu convencer a maioria de seus pares a seguir seu entendimento.

No referido recurso extraordinário, discutia-se se a pendência de ações judiciais e/ou inquéritos policiais em desfavor do condenado em processo criminal poderia ser considerada maus antecedentes e, com isso, influenciar - ou melhor, agravar - a situação do réu na 1ª fase da dosimetria da pena, prevista no art. 59 do Código Penal. De outro lado, argumentava-se que tal interpretação conflitaria com o princípio constitucional da presunção de inocência (ou da não culpabilidade).

No Brasil, não raras vezes, o óbvio precisa ser legislado. E, também, interpretado.

Princípio de reconhecida importância histórica, o princípio da presunção de inocência - ou estado de inocência - representou uma importantíssima garantia dos processados perante o Estado, o que não se restringe apenas ao âmbito criminal, embora seja seu principal campo de atuação, podendo ser aplicado em outros ramos do direito, a exemplo do administrativo (v.g. RE 482.006/MG e MS 23.262/DF).

De tempos beccarianos, e previsto em diversos diplomas legais estrangeiros (cite-se, e.g, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, art. 8º, §2º, e a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, Nice, 2000, Artigo 48, §1º), o princípio da presunção de inocência recebeu a tutela da ordem jurídico-constitucional brasileira no art. 5º, LVII, da Lei Fundamental da República. Em verdade, tal postulado está umbilicalmente atrelado à noção de Estado Democrático de Direito, ou melhor, de Estado Constitucional de Direito, sendo representado na máxime "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória", o que já possui uma certa obviedade em sua redação. Mas let's move on, parafraseando Joaquim Barbosa na AP 470.

A doutrina penal, dentre eles cito Luiz Flávio Gomes, ensina que de tal princípio emanam duas regras: i) regra de tratamento, pela qual o acusado não pode ser tratado como condenado enquanto não sobrevier ato sentencial condenatório definitivo; e ii) regra probatória, de forma que cabe à acusação demonstrar que o réu é culpado, e não ao réu demonstrar sua inocência, como chegou a ser aplicado durante o nefando Estado Novo getulista (1937-1945). Portanto, a principal conclusão a que se chega, de logo, é que, enquanto não houver sentença judicial transitada em julgado, o réu é presumido inocente, não importando a natureza do crime que lhe seja imputado.

Ora, se o estado de inocência do réu perdura até que seja prolatada decisão condenatória transitada em julgado, por qual razão a existência de inquéritos policiais, ações penais em curso ou, até mesmo, ações penais julgadas e pendentes de recursos - que, portanto, ainda não se revestiram de definitividade - poderiam vir a ser usadas como circunstâncias evidenciadoras de maus antecedentes? Não se pode descurar do fato de que, em diversas ocasiões, os instrumentos de persecutio criminis são utilizados como forma de prejudicar, dolosamente, a imagem do réu, em mera intriga de seu desafeto; além de que muitas vezes o manancial probatório produzido é falho e incapaz de levar à compreensão acerca da real autoria do crime. 

Por isso, foi-nos ensinado pelo jurista Rui Barbosa que: "Quanto mais abominável é o crime, tanto mais imperiosa, para os guardas da ordem social, a obrigação de não aventurar inferências, de não revelar prevenções, de não se extraviar em conjecturas." Trata-se de se julgar com prudência. Baltasar Gracian, em sua obra A Arte da Prudência, adverte: "Tome cuidado com quem elogia e mais ainda com quem critica. Descubra qual o interesse pessoal, de que lado coxeia, para onde vai. Reflita bem para detectar os falsos e incompletos."

Nem tudo que reluz é ouro. Nem tudo que parece é. 

Diante disso, qualquer juízo antecipatório de condenação de investigado, de indiciado, de denunciado, de réu ou de recorrente não se coaduna com a essência do princípio constitucional da presunção de inocência, direito fundamental de nossa República. É simples. É de uma "obviedade ululante", afirmaria Nelson Rodrigues. Até que o indivíduo seja condenado definitivamente, com o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, ele gozará dos mantos da inocência, da boa antecedência e da descontaminada vida ante acta. 

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Suspensão de Liminar em ADI

Na última quarta-feira (21/01/2015), o Ministro Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, analisando os autos da Suspensão de Liminar 807 (SL 807)reiteirou jurisprudência do STF no sentido de que a suspensão de liminar não é cabível nas ações do controle concentrado de constitucionalidade. Vamos entender melhor o caso.

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro suspendeu, liminarmente, a eficácia da Lei Complementar 77/2013 do Município de Araruama, a qual alterou os valores venais dos imóveis do exercício de 2014, acarrentando o aumento discrepante do IPTU em relação ao período de 2013.

Como e por que o TJ-RJ fez isso?

Foi proposta uma Representação de Inconstitucionalidade (art. 125, §2º, CF/88), é dizer, uma Ação Direta deInconstitucionalidade estadual - que tem como objeto lei ou ato normativo estadual ou municipal, e como parâmetroConstituição Estadual – em face de lei complementar municipal. Tal ação do controle concentrado estadual deve ser proposta perante o Tribunal de Justiça, em simetria ao STF, competente para julgamento da ADI federal, pelos legitimados que vierem a ser previstos na própria Constituição Estadual, que normalmente repetem o rol de legitimados do art. 103 da Constituição Federal.

Dentre eles, no inciso VIII, está previsto partido político com representação no Congresso Nacional, que, no âmbito estadual, lê-se Assembleia Legislativa. No caso, o Partido Progressista municipal interpôs a ação de fiscalização abstrata. Foi deferida, diante da presença do fumus boni iuris e do periculum in mora, medida cautelar suspendendo, liminarmente, a eficácia da Lei Complementar municipal 77/2013.

Isso porque, tendo em vista a alteração dos valores venais dos imóveis, que importou aumento significativo do valor do IPTU do exercício de 2014, acentuadamente discrepante do exercício de 2013, o TJ-RJ entendeu que referida LC municipal violou o art. 196, II e IV, da CE/RJ, que preveem os princípios tributários da isonomia e do não confisco, respectivamente (art. 150, II e IV, CF/88).

O que o Município fez?

Tentando reverter a decisão liminar e reestabelecer a eficácia da LC 77/2013, o Município de Araruama interpôs pedido de Suspensão de Liminar, também chamado de contracautela, prevista no art. 4º da Lei nº 8.473/92, pedido este restrito às liminares deferidas contra o Poder Público, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas. Apenas o Ministério Público ou a pessoa jurídica de direito pública interessada são legitimados para requerer tal pedido de suspensão de liminar.

Nesse caso, o pedido feito pelo Município é possível?

NÃO. Segundo o presidente do STF, reiterando jurisprudência do Pretório Excelso, o pedido de suspensão de liminar é via processual inadequada para sustar os efeitos da cautelar concedida no processo de controle concentrado de constitucionalidade. Isso se deve por alguns motivos:

1) A suspensão de liminar visa a atender interesses subjetivos da pessoa jurídica interessada, enquanto que o processo de controle concentrado de constitucionalidade é objetivo, o que demonstra a impossibilidade de sua concessão;

2) O exame da presença dos requisitos autorizadores da medida excepcional de contracautela deve ser rigoroso, estando a exigir a demonstração inequívoca de risco de ruptura social ou de ruína institucional;

sábado, 10 de janeiro de 2015

O Constituinte na OAB


Amanhã ocorrerá a 2ª Fase do XV Exame de Ordem. Então, resolvemos dar umas dicas que serão bastante úteis para sua aprovação. Compartilhem com seus amigos que irão fazê-la!

1 - RESOLUÇÃO DA PROVA

1.1. Essa dica aprendi com Maurício Gieseler e é muito importante para você distribuir seu tempo durante a prova. Como se sabe, a prova terá a duração de 5 horas. Assim, reserve a 1ª hora para ler com calma o caso prático, identificar qual a peça cabível e montar um esqueleto dela. NÃO DÁ PRA FAZER RASCUNHO DA PEÇA! Esqueleto é só identificar os principais pontos como: endereçamento (para onde devo endereçar minha peça?); legitimidade ativa e passiva; qual a peça cabível; fundamento legal da peça; quais os tópicos da peça (fatos, direito, tutela antecipada, ou tempestividade, cabimento, prequestionamento, repercussão geral, se forem recursos, p. ex.); no item DO DIREITO é indispensável que se faça uma busca no seu Vade Mecum de todos os artigos que você acha que serão usados na fundamentação antes de começar a escrever já na folha definitiva da respostas. Então, elenque na sua cabeça os artigos (pode usar o índice remissivo para procurar pelas palavras-chave da questão, ou olhar embaixo dos artigos a remissão a outros artigos que fazem alguns Vade Mecuns), as súmulas, doutrina que você lembre e até jurisprudência e ponha no esqueleto da peça, de preferência na ordem lógica que irá para a folha definitiva. TENTE LEMBRAR O MÁXIMO DE FUNDAMENTOS. MELHOR PECAR PELO EXCESSO NA PROVA DA OAB. Depois, também no esqueleto, faça os tópicos do pedido.

Na 2ª hora, parta para a resolução, já na folha definitiva, de 2 questões que você acha mais fáceis, que sabe resolver logo de cara. Já se passaram 2 horas de prova.

Nas 3ª e 4ª horas, vá escrever a peça prático-profissional na folha definitiva, o que vai ser bem mais rápido e fácil porque você já conta com um esqueleto bem elaborado. Ai é só montar a peça. Falta agora só uma hora para acabar a prova da sua carteirinha vermelha.

Deixe a última hora (5ª), para a resolução das 2 últimas questões que eram as mais difíceis para você. Por que isso? Porque como eram as mais difíceis a chance de você as acertar eram menores do que acertar as 2 mais fáceis. Então, deixa a hora final para elas, se der tempo de pensar melhor e fazê-las ótimo, senão paciência.

Isso foi essencial na minha aprovação.

1.2. Se errar uma palavra, faça um simples risco em cima dela (não precisa fazer parênteses);

1.3. Não adianta escrever mais do que as linhas da folha permitem. O que passar do limite de linhas será DESCONSIDERADO pelo examinador. Então, eu aconselho que você vá até a última folha da peça (que tem o máximo de 150 linhas) e conte de baixo da para cima o número de linhas que você utiliza para por "TERMOS EM QUE PEDE DEFERIMENTO, LOCAL E DATA, ADVOGADO OAB...", porque depende do estilo de cada um (a minha, p. ex, davam 7 linhas para escrever isso). Ai marque um ponto bem discreto (PARA NÃO SE IDENTIFICAR) ao lado da linha que antecede o começo dessas informações. Isso serve para você ir se situando até onde poderá escrever seus pedidos.

2 - ALGUMAS PEÇAS

2.1 - RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL

Atualmente o STF tem aceitado, em alguns casos, a interposição de reclamação constitucional contra decisões que teriam violado a liberdade de imprensa e de expressão (Recl 15243/RJ) com fundamento na violação da autoridade da decisão na ADPF 130, que declarou a não recepção da Lei de Imprensa. Então, fiquem atentos a essa hipótese de cabimento.

Outra hipótese seria a de violação à Sumula Vinculante 33. Na verdade, há divergência quanto a sua interposição nesse caso, então você deve ponderar com cuidado na hora da prova. Então se for relatado o indeferimento de aposentadoria especial aos servidores públicos que trabalhem em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física (E SÓ ESSES DO ART. 40, §4º, III, CF/88), pode ser cabível a reclamação constitucional.

2.2 - MANDADO DE SEGURANÇA

Confesso que era a peça que tinha mais dúvidas quanto ao cabimento (pra mim tudo era violação a direito líquido e certo), mas algo depois que percebi me tranquilizou muito: quando for o caso de mandado de segurança, a OAB faz questão de deixar bem claro que a peça é mandado de segurança: fala que não há necessidade de dilação probatória e até fala que não se passaram 120 dias (prazo decadencial do art. 23 da Lei 12.016/09).

Caso se trata de MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO ou ação civil pública e for necessário liminar, tem que fazer referencia nos pedidos da PRÉVIA AUDIÊNCIA COM O REPRESENTANTE JUDICIAL DA PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO, QUE DEVERÁ SE PRONUNCIAR NO PRAZO DE 72 HORAS (art. 2º da Lei 8.437/92)

Acho que tem grandes chances de cair, porque essa peça já vem caindo em outras áreas (administrativo e tributário) e caiu a última vez em Constitucional no XI Exame.

É isso aprovado! Boa prova!!!